sábado, 30 de abril de 2011

Vivendo na Indonésia: Sorrisos, arroz e terremotos


O povo indonésio é um povo sorridente. Risada fácil. Quase sempre amigáveis. Mais "dados" e mais abertos que os indianos, que eram quase sempre resguardados e ciosos de seus interesses (em grande parte das vezes, o teu dinheiro). Aqui na Indonésia eles dão risada por tudo. Mesmo as mulheres muçulmanas, que a gente tende a imaginar fechadas e conservadoras, aqui são bem risonhas e boas de papo. E falam com você sem problema. De vista, eu diria que metade usa o véu, a outra metade (espetaculosas!) deixam suas madeixas negras balançando ao vento.

Ainda não tenho tido muito tempo pra turismo, mas já entrei bem no dia-dia aqui da Indonésia.

Meu dia começa básico, às 6:20 tomando um banho de cuia e me arrumando pra ir tomar café ali na casa da mulher do Pantchasma. Eles moram aqui do lado, uma casinha simples com as galinhas ciscando perto do mamoeiro. Pra o café da manhã, esqueça o hábito ocidental de começar o dia com coisas leves, torradinha com bolo etc. - esqueça. Aqui café da manhã é um prato de comida. E prato de comida aqui, é claro, leva arroz, daquele grudadinho, branco, que você bota com a colher no prato e ele custa a desgrudar da colher.

No mais tem bastante coisa, normalmente uns outros oito pratos diferentes, alguns com legumes, outros com tofu ou tempeh, outros com galinha ou peixe, e quase todos apimentados. Bife é raro de ver, e carne de porco praticamente não tem, já que mais de 80% da população é muçulmana. Come à vontade. Pra beber, água ou chá preto. Menos de 3 reais ao todo, 12.000 rúpias indonésias. A moeda é outra mas o nome é praticamente o mesmo da da Índia (pelo menos em português; no original são rupees pra a moeda indiana e rupiahs pra a da Indonésia). Sendo assim, eu aqui na Indonésia virei milionário.

Hora de pegar o transporte. Bogor (a cidade onde estou) não tem ônibus, então tudo é na base das angkot, essas vans verdes aí das fotos.



Dentro da angkot não é como nas vans do Brasil. Aqui tem uma portinhola lateral e dentro cabem umas 8 pessoas sentadas em "círculo". Eu não sou muito alto, mas aqui eu preciso me encurvar todo pra entrar. Não tem ponto, então basicamente você pede a parada onde quiser. Também dá pra entrar onde quiser. A portinhola vai aberta, pra garantir que você sinta aquele magavilhoso cheirume do mercado.

Mas o mais divertido é quando entram músicos-pedintes. Só essa semana tiveram três: uma dupla com tamborim e cavaquinho, um par de crianças com caixas de fósforo, e um fulano que - Deus benza - achava que era cantor e mais parecia que estava estrangulando o gato.  

Chegando ao escritório (estou com uma mesa num prédio do governo aqui, já que dessa vez estou trabalhando junto com uma equipe daqui), hora de seguir com a labuta. Essa semana já entrevistei um bom bocado, incluindo a Dra Ai e o Prof. Bambang (adoro os nomes indonésios).

Títulos à parte, aqui todo mundo é "Pá". é tipo "Seu" aí no Brasil, o pronome de tratamento, só que aqui é usado mais frequentemente. Então é Pá Fulano, Pá Beltrano...  (Outro dia ouvi uma estagiária se referindo a mim como Pá Mairon...).

O significado é Pai. Aqui você é tratado de acordo com a geração a que pertence. Não tenho conhecido muitos idosos, mas pelo que me informaram você "evolui" e passa a ser chamado de "Vô fulano", etc. Pra as mulheres é Bu. (abreviação de... hahaha... vocês se lembram do post passado).
 
Eu divido a sala com Pá Harry (é, de vez em quando eles têm esses nomes ingleses), um tio tranquilão. O toque de celular dele, pra dizer que chegou mensagem, é uma voz feminina toda sexy (daquelas asiáticas, finas, parecendo de anime) dizendo "Hello baby".

No almoço, arroz e eu voltamos a nos encontrar. Na maior parte das vezes eu como de um almoço simples que um rapaz vem entregar aos funcionários. Mas também tem a opção de um restaurante básico vizinho do prédio, onde dá pra pedir suco também. Tem boas frutas tropicais aqui. Outro dia, por exemplo, tomei suco de belimbing (carambola).

Almoço dos funcionários no instituto em que estou de visitante. Normalmente os acompanhamentos acabam antes do arroz, aí sobram aquelas duas ou três colheradas de puro arroz branco no final. Que magavilha. Mas o almoço é bonzinho. Esse outro aí na folha de banana é o tahu, primo do tofu.

Naquele dia, eu volto pra a minha sala no quarto andar, depois da pausa do almoço, e de repente começo a ficar tonto."Oxente. Vish, será que tinha alguma coisa naquele suco de belimbing?"

Pá Harry abre aquele sorriso sossegado e diz: Terremoto. A sensação é esquisita, parece que você tomou umas. Só que, neste caso, não é coisa da sua cabeça, é porque as coisas estão se mexendo mesmo. Foi um terremoto leve, e durou uns 15 segundos. Mas a sensação de ouvir o prédio rangendo é um tanto desconfortável. Vai pro currículo de viagem.

Bom, e enquanto não viajo, vou dando um jeito de me enturmar por aqui e fazer alguma coisa em Bogor. Depois conto do que andei fazendo no final de semana e mostro as fotos que tirar. Terminada a digestão do arroz que comi também na janta, hora de ir dormir. Um bom dia pra vocês aí no ocidente.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O homem que NÃO sabia javanês

O muezim chama os fiéis a uma das cinco preces diárias. Na Indonésia, país composto de 17.000 ilhas e maioria muçulmana, Mairon senta ao laptop para partilhar sua segunda aventura na Ásia.



Seguindo o estilo de Vicky, Cristina, Barcelona e do sucesso "Are Baba, Mairon na Índia", aqui estou para a continuação Mairon, Java, Sumatra. São seis semanas cá nesta parte do mundo para o terceiro estudo de caso do meu doutorado; então, por que não, fazer mais um relato de experiências, cá neste país de cultura interessante.

Cheguei aqui eram oito horas da manhã depois de 16h dentro do avião. Já estava perdido em termos de horário. Isso foi ontem. Jubi foi me buscar no aeroporto, ela que será minha tradutora de trabalho aqui. Moça muçulmana, de véu de Jade e tudo. Parece ter seus 25 anos, mas asiática a gente nunca sabe, então se bobear ela já passou dos 30 há muito tempo. Moça espirituosa. Foi logo me perguntando: "Aqui de vez em quando tem terremoto, tsunami e explosão de bomba, você não ficou com medo de vir pra cá não? Ah! O Vulcão Merapi também fica aqui perto".

O povo aqui na Indonésia se parece com os índios do Brasil. Morenos e com um pouco de olho puxado, mas não muito. Cabelo preto liso, e não são muito altos. São muito religiosos, em geral. No avião da companhia Garuda, em que voei, na revista de bordo em meio a propagandas, anúncios "Torne-se um cliente Gold" e coisas do tipo, uma seção "Invocações". Eu achei que havia aberto algum livro de magias por engano. Lá havia preces em cinco religiões sobre como orar para tomar conta da tripulação, do avião etc.

Com Jubi e Pá Rudi (o motorista) viemos de carro do aeroporto de Jacarta (a capital) até Bogor, uma cidade do interior conhecida como "A Cidade da Chuva". Saí de Amsterdã pra outra cidade chorona. Basicamente chove todo dia durante várias horas. Ê beleza. Temperaturas parecendo as de Feira em dezembro, e muita umidade.

Em compensação, nunca paguei acomodação tão barata na minha vida - pouco mais de 5 reais a noite. As instalações são bonitinhas, pra dizer a verdade, e o quarto é arrumadinho. O banheiro é que por aqui, como sempre, pega.



Vejam que não tem vaso. É basicamente um buraco no chão como se você estivesse sentado no meio fio. Ou faz de pé e se cuida pra não sujar o calcanhar. Obviamente não tem descarga. E também não tem papel. É na base da aguinha na cuia e a mão. Eu, precavido após a Índia, trouxe um rolo lá de Amsterdã. Dizem que aqui dá pra achar pra comprar, e é bom que dê mesmo, senão vou ter que apelar pra folha de caderno, de bananeira... (Não pretendo usar a aguinha a não ser como último recurso). Então é contagem regressiva pra ver o quanto meu rolo dura...

Também não tem chuveiro. O banho é de gato, com a mesma cuia utilizada para o serviço acima referido (olha que beleza?). Não entendo porque é que não fizeram a torneira mais pra cima, e eu não me importaria de tomar um banho de bica. Mas não, a torneira é a 50cm do chão, pra encher a cuia d´água. Desta vez não tem nem o banquinho que tinha lá na casa do Seu Bhalla, então aqui você fica acocorado, de joelhos ou - se não tiver juízo - sentado no chão.

(A pia, pra quem notou, não tem ralo, então basicamente é um tanque d'água. Escovar os dentes, bochechar, cuspir e coisa do tipo, você - e todo mundo - usa a pia da cozinha).

Felizmente não é dessa cozinha que vem a comida que eu como (se bem que, pensando agora, não deve ser tão diferente nas outras cozinhas... mas esquece, afasta esses pensamentos ruins). A comida é muito boa. À base de arroz, em sua maioria. Fui logo experimentar.

Chegando aqui no alojamento Jubi me apresentou ao caseiro, Pantchasma. Sujeito baixinho, risonho, e que fuma uma cigarrilha que só Deus sabe o que é. Ele logo se ofereceu pra me mostrar onde comer aqui perto. Não podia faltar aquela rodada básica de moto sem capacete no trânsito asiático, né? Pois é, lá fui eu e o Motoqueiro Pantchasma.

A comida é sempre arroz com alguma coisa. Esse "alguma coisa" normalmente vem salpicado de pimenta malagueta em pedaços, pra dar sabor. Inclui: folha de mandioca no caldo; galinha\peixe\tofu ou legumes em molhos de leite de côco maravilhosos; tempeh, que é tipo um tofu só que feito com os grãos de soja inteiros e prensados, é uma delícia e pega o sabor do molho; entre um zilhão de outras coisas que ainda não experimentei. Normalmente tem uma super panela de arroz, e aí você pega dos acompanhamentos.

(Se está achando os nomes indonésios engraçados, espere até saber que pintu é porta e bunda é mãe. É sério).

Dando início aos trabalhos, hoje fui me encontrar com Fahmuddin (que minha mãe já apelidou de Fernandinho), o pesquisador aqui que está me ajudando a acertar as entrevistas. Duas semanas em Java, duas na Sumatra, e outras duas aqui em Java novamente. Muita coisa pra rolar e pra descobrir, e vou partilhar aqui com vocês.