segunda-feira, 6 de junho de 2011

Mairon em Bali


Bali. É pra cá que vem a maior parte dos turistas na Indonésia. Não é difícil entender o porquê: Bali parece uma mistura da Índia com o Havaí, e guarda tanto religião e cultura quanto festas à beira da praia com guirlandas de flores no pescoço.

Bali é uma ilha de seus 150x100km logo a leste de Java, e guarda uma série de pecularidades. No post anterior eu mencionei que a Indonésia, antes de se tornar islâmica, era hindu e budista. Pois então: os balineses nunca se converteram, e permanecem hinduístas até hoje. Mas é um hinduísmo diferente. Por exemplo, em Bali não vi vacas nas ruas, mas vi muitos arranjos com flores (típicos do hinduísmo), muito incenso, oferendas aos deuses, e muito misticismo.

O Buda se mistura muito ao hinduísmo de Bali, e as flores estão por toda parte nas oferendas diárias aos espíritos: normalmente se colocam doces, pétalas de flores, e ervas aromáticas. 
Mas, para os turistas, Bali é também a terra da curtição, praia e surf. Isso é principalmente o sul da ilha, onde as praias são boas mas é meio hiper-turístico. É aquela coisa de praia de dia e festa de noite.

Na rua te oferecem de tudo, desde passeio de barco até viagra. Na primeira noite ia caminhando um casal de turistas na minha frente e chegou um carinha oferecendo viagra, com a caixinha do remédio na mão. Hehe, a mulher ficou fula, despachou o vendedor dizendo que companheiro dela não precisava dessas coisas não, hehehe. Além disso te oferecem "massagens" também. De dia é massagem mesmo, de noite é outra coisa. Ou, como eles dizem lá, é massagem "com final feliz". É tudo pra turista no sul de Bali.

Praia de Legian, em Bali.
Um bar que achei circulando à noite no sul de Bali. A dona era uma francesa que foi à Bahia e resolveu abrir um bar latino com o nome.
Saindo-se dessa parte hiper-turística de Bali e de mais badalação, dá pra se ver outras áreas bem interessantes. No centro da ilha, por exemplo há paisagens bem bonitas com terraços de plantação de arroz "em escada", descendo a colinas, e templos perto de lagos. Melhor as fotos falarem por mim:

Terraços de cultivo de arroz nas partes centrais de Bali.
Templo na região montanhosa do centro de Bali.
Santuário da antiga família real, do século XVII.
Templo de Tahah Lot à beira do mar, oeste de Bali.
A parte que mais gostei foi a cidade de Ubud, no centro de Bali. Lá é o centro cultural da ilha, onde assisti à dança balinesa. São apresentações bem teatrais, em que os dançarinos estão na verdade contando uma história, ou comunicando sentimentos através de expressões faciais, passos e gestos com as mãos.

Uma das várias dança balinesas. Como em algumas danças do sul da Índia, nesta daqui as expressões faciais são muito importantes para comunicar o sentimento da dança. É impressionante como os dançarinos conseguem mudar o olhar de repente e manter a coordenação dos gestos com as mãos e dos movimentos de pés.
Pra quem quiser ver uma palhinha, filmei alguns trechos das danças que assisti. É só copiar e colar os links abaixo. Pra quem se interessar e quiser ver mais, lá no YouTube dá pra achar videos mais longos.

Dança balinesa 1: http://www.youtube.com/watch?v=VQ2G6T6Jze8
Dança balinesa 2: http://www.youtube.com/watch?v=0wNwgaLmVI0


A tranquila cidade de Ubud, com muitas lojas de arte (pinturas e esculturas locais), belos restaurantes e muitas apresentações culturais.
Templo em Ubud, Bali central.
Uma curiosidade é que Bali parece ser o único lugar da Indonésia onde tem cachorros. Em Java e na Sumatra eu só via gatos. Perguntei a Jubi, ela me explicou que pela crença islâmica se você tiver cachorro em casa o anjo do senhor não entra (afinal, vejam o canino ameaçador aí na foto). Além disso, se você sujar sua mão com saliva de cachorro é preciso lavá-la sete vezes antes de rezar, cada uma das vezes de uma maneira diferente (uma delas com areia). Muita trabalheira, então as pessoas preferem ter gato.
Foram três dias de relax, basicamente comendo, passeando na praia, vendo lugar bonito e fazendo compras. Êêê vida boa, hehehe.

Num restaurante em Ubud.
No Santuário da Floresta dos Macacos, com sarong obrigatório na cintura.
No templo de Ulun Danu, junto ao lago Beratan, nas montanhas do centro de Bali.
Plágio de Star Wars? hehehe.






Epílogo
Como essa folga não pode durar a vida toda, é hora de dar seguimento com os trabalhos em Amsterdã. O voo de Jacarta leva 16 horas, com uma escala em Dubai. Até Dubai tive o prazer de ir sentado ao lado de uma bela moça árabe carregada de ouro e que fazia inveja a qualquer uma das personagens de O Clone. O engraçado é que, como minha barba está meio crescida, a tripulação achou que ela era minha esposa. (Hehehe, quem dera, mas também ia me levar à bancarrota). Mas a moça não era de muita conversa não. Enfim, a vida prossegue cá em Amsterdã e breve estaremos em contato novamente para a próxima viagem.

Valeu a todos que acompanharam, os leitores casuais, os comentários deixados, os feitos por e-mail, etc. Não deu pra falar de tudo, pois a Indonésia é muito grande. Há também muitas áreas que eu não visitei (ainda), e pontos que fiquei sem detalhar. Por exemplo, acabei esquecendo de comentar que Obama morou na Indonésia durante sua adolescência e os indonésios são super orgulhosos disso. Acabei não tratando também do famoso Café Luwak, feito com  fezes de luwak, um tipo de raposa do norte da Sumatra. (Comprei um pacote e, quem quiser experimentar, venha me visitar lá em Feira e a gente toma uma xícara).

O Café Luwak, um dos mais sofisticados e caros do mundo. Dizem que o trato digestivo do Luwak dá um sabor todo especial  às sementes do café, que passam - e são postas pra fora - sem serem digeridas. Os produtores então catam, lavam e moem o café.
Pois é, hehe, terra bem exótica. O melhor de tudo é dividir essas histórias com vocês. Deu também pra mostrar bastante coisa e quem sabe até inspirar suas próximas viagens.

Voltei são e salvo a Amsterdã, e como o verão daqui está chegando (e promete!), breve estaremos em contato de novo pra ao leste europeu (Bielo-Rússia, Ucrânia, Romênia e Estônia).

Aquele abraço, e valeu a todos.

Mairon

Bali, Indonésia.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Uma jornada ao centro da Ilha de Java



Esse aí na foto é o singelo vulcão Merapi. Parece até alguma imagem tirada de Jaspion. Não, eu não tirei a foto pessoalmente. Ele explodiu da última vez em dezembro passado mas agora está quietinho - até quando, não se sabe. As pessoas de Java Central já se acostumaram a viver com um vulcão por perto.

Mas o centro de Java reserva mais do que um vulcão temperamental. Na verdade, apesar de Jacarta (no oeste da ilha) ser a capital, as belezas culturais e as tradições javanesas estão em sua maior parte no centro da ilha. Não sei qual é a noção de vocês sobre o tamanho de Java, mas a ilha tem basicamente a forma de um retângulo com apr. 100km de norte a sul e 1000km de leste a oeste. É bastante chão. Sendo assim, levei 10h pra chegar daqui de Bogor até Yogyakarta, considerada o coração da cultura javanesa - lá pertinho do Merapi.

A viagem de trem foi um martírio, mas valeu a pena. Basicamente, eu e Jubi deixamos pra comprar os tickets de trem na última hora e acabou que a única categoria disponível era a classe "povão". E, ah, viajando em pé, pois os assentos estavam esgotados. Nessa categoria, mesmo depois de lotar eles continuam vendendo passagem, e você que se vire lá sem assento.

Primeiro tentei dormir sentado no chão do corredor, com as costas na lateral de um dos assentos e as pernas estiradas cortando o corredor. Não prestou. Quando passou o primeiro baleiro, parecia que eu estava pagando um boquete. Decidi me espichar de vez, com as costas no chão em cima de um jornal. Em tempo lotou de gente no corredor, e poucas horas dali já estava eu quase dormindo "de conchinha" com uma tia. E os vendedores passando a passos de garça pra não pisar no povo. Foi memorável. Em alguma religião deve ser ritual de humildade você ter vendedores sujos, pobres e de pés descalços passando sobre você. Dez, vinte... Confesso, não me pisaram nenhuma vez, mas os gritos de venda durante a noite inteira davam nos nervos. Você lutando pra cair no sono (obs: as luzes vão acesas a noite inteira) e o indivíduo prum lado e pro outro gritando kópiiiiiiiiii (café), tahuuuuuuu (tofu), mie ayaaaaaam (macarrão com galinha). É nessas horas que faltava uma versão indonésia de Iara, minha vizinha lá de Feira, pra anunciar: "Moço, ninguém aqui quer café não! O senhor não tá vendo que o povo quer é dormir?!". Mas aí você pára pra sacar: Putz, o cara tá aqui vendendo café à meia-noite pra tentar arranjar um trocado de nada e sobreviver? E eu reclamando porque às vezes estou no batente até depois das 6...

O trem e o povo já de manhãzinha, alguns ainda espichados no chão. 

Chegando às 6 da manhã em Yogyakarta, estávamos mortos. (Quem conseguiu dormir? No máximo cochiladas de meia hora). Iqbal, um amigo de Jubi, foi nos pegar. Dali fomos na casa dele, deixamos as coisas, e fomos ver a cidade. Como eu disse, Yogyakarta é a capital cultural de Java, e isso inclui os famosos batik, motivos das roupas javanesas e que aqui todo mundo usa.

Batik é parte da tradição javanesa. Trata-se de motivos florais ou de padrões de desenho diversos, como esse da camisa do homem na foto. Quase todo mundo em Java se veste diariamente (ou quase que diariamente) com roupas assim. 
O mais interessante dos batik é que, tradicionalmente, eles são desenhados à mão, como faz essa senhora aí abaixo.

O batik tradicionalmente se faz com uma pinça e tinta, e vai sendo desenhado à mão. Hoje em dia, claro, há indústria que faz isso no computador, mas os artesanais são muito mais valorizados - e, claro, são bem mais caros.
Yogyakarta é o paraíso dos batik, e isso vale pra qualquer coisa - toalha de mesa, etc. Yogyakarta é também centro da dança e música javanesa. Tradicionalmente, é um canto que lembra um pouco aqueles cantos chineses ou japoneses (pra quem já viu em filme) e que parecem um lamento.

Esse vô da foto tocava o instrumento de corda e cantava. Parecia até qualidade de studio. Show de bola (ou melhor, show de corda e de voz). 
Pra quem notou ali na foto acima, ao lado do vô musical há um quadro. Ali é ninguém menos que o sultão. É, Yogyakarta tem um sultão. Antes de a Indonésia ser independente (guerra durante 1945-1949), ela era colônia da Holanda; antes de ser colônia da Holanda, havia muitos reinos e sultanatos de diferentes tradições e através das diferentes ilhas que formam o país (daí haver ainda vários conflitos étnicos na Indonésia). Vários lugares ainda mantêm as famílias dos reis e sultões. Embora esses não tenham mais o poder político, ainda são muito apreciados - e normalmente são ricos e tem certo poder de manobra social. Esse é especialmente o caso em Yogyakarta, onde o povo é bastante respeitoso com seu sultão.

Se a gente voltar um pouco mais no tempo, antes de essa região de converter ao Islã (o que ocorrey ao longo dos anos de 1200-1600), aqui eram reinos budistas e hinduístas - que são religiões muito mais antigas. São dessa época anterior ao Islã os monumentos mais impressionantes que permanecem no centro de Java. Fui visitar alguns deles.

O primeiro deles é Prambanan, um templo hindu do século IX, dedicado às três principais divindades hindus: Vishnu, Shiva e Brahma. (Em algumas visões, é como a santíssima trindade no Cristianismo: três faces de uma entidade só. Mas essa é uma discussão teológica mais longa...). O templo principal tem 47m de altura, e os interiores têm estátuas dos deuses com seus 3m. Entrar neles é uma sensação bem Indiana Jones.

Templo hindu de Prambanan, em Java Central. Do século IX.
Adentrando um dos templos de Prambanan, em Java Central.

Por fim, no dia seguinte, fomos visitar um dos outros pontos marcantes da região, desta vez um templo budista, Borobudur. Borobudur é do século VIII, portanto mais antigo que Prambanan, e tem um conceito bem interessante: são nove plataformas formando uma espécie de pirâmide, em cada uma delas há ilustrações esculpidas mostrando aspectos da vida de Buda e, em geral, da vida humana. A idéia é que, de baixo pra cima, as coisas vão se "elevando". Enquanto que na base são ilustrações de cenas mais carnais, mais pra cima as ilustrações vão se espiritualizando e no topo você tem o nirvana.

Pra entrar na área do templo, é preciso usar o sarong, uma roupa típica do sudeste asiático.



Como eu disse, a viagem de trem valeu a pena. Mesmo assim, como na segunda-feira eu tinha compromissos e não podia me dar ao luxo de mais uma noite sem dormir, voltamos de avião. Ainda demos boas voltas pela cidade, tomei muito suco de graviola, e comprei feito mulher de marido rico. Não sei onde é que vai caber tudo, já que - ao contrário da Índia - aqui eu estou com um limite de bagagem bem mais apertado. Mas não quero nem saber, largo pra trás coisas ordinárias (tipo toalha de banho) pra fazer espaço. Vou descobrir logo logo se as minhas mochilas cabem ou não cabem tudo. Amanhã voo pra Bali, que será a etapa dessa estadia na Indonésia. Deixo vocês com algumas fotos de Java Central.

Amanhecer sobre os campos de arroz em Java Central. Tirada do trem.
O Merapi, mais quietinho. De várias partes da cidade dá pra avistá-lo no horizonte. Esta foto não fui eu que tirei, mas dá uma idéia.
Em Prambanan. Jubi é a de véu cinza.

Vista do alto de Borobudur.
Prato tradicional de Yogyakarta: Jaca verde cozida no leite de côco com pimentas, ao lado de acompanhamentos. Uma delícia, na verdade! 

sexta-feira, 27 de maio de 2011

No Coração da Sumatra

Eram 6:00h da manhã de domingo quando eu ainda me revirava na cama. Acordei ao som de música - talvez o último tipo de música que eu esperaria ouvir num país muçulmano: canto de música evangélica. Oxente, o que é isso? Pensei que ainda estiva sonhando. O som vinha alto e animado lá do térreo. Eu ainda estava no hotel. Era dia de partir pra o interiorzão brabo e conversar com agricultores.

6:20 religiosamente me bateu na porta o café da manhã. Mas desta vez ele não me acordou. Só que ficou meio desconcertado de me ver sem camisa (eles aqui são meio conservadores na vestimenta, depois eu falo mais disso). Comi o engana-estômago que eles dão e me arrumei pra descer. Chegando lá embaixo, a maior fuzarca com vendinhas de santinhos de Jesus, quadro, e a cantoria mais poderosa do que nunca no salão de convenções do Hotel. Vixe que Edir Macedo baixou aqui. Pois é, a minoria cristã da Indonésia faz a maior festa aos domingos, enquanto que os muçulmanos fazem festa na sexta-feira. (Hoje, por exemplo, eu acordei com o som empolgado da ginástica feminina nos arredores do meu alojamento. Com uma senhora empolgada no microfone e as mamães, de véu, esticando as pernas igual àqueles projetos "Verão saúde" da prefeitura). Em outras partes da Indonésia há maiorias católicas, mas na Sumatra a maioria dos cristãos é protestante.

Ao som da música evangélica, fui tomar café, me encontrar com Jubi e fazer o check-out. Cedo veio o carro nos pegar pra levar à primeira vila que visitaríamos. A estrada até boa, caí na besteira de dizer. Depois parecia a lua. Aquele barro vermelho maravilhoso e cheio de buracos. "São os caminhões das minas de carvão que passam por aqui e fazem isso", me disse o rapaz que dirigia.

Depois que chegamos à área mais de roça mesmo, a paisagem ficou assim.
Me reuni com vários agricultores na primeira vila. Chegamos na casa do Chefe da Vila, com quem tínhamos contato, e lá ele juntou um povão. Só homem, e como (quase) todo homem na Indonésia fuma, estávamos conversando numa nuvem de fumaça. Pelo menos afastava os mosquitos. A dona da casa nos trouxe banana frita, outros quitutes caseiros e - demonstrando certa sofisticação - donuts. (Pra quem não está familiarizado, são aquelas pequenas roscas açucaradas de pão branco com um furo no meio, que se vê muito em filme americano). Veio também o café, carregado de açúcar. Na Sumatra eles põem açúcar é com a colher de sopa. Não estou brincando, vi muita gente fazer isso, principalmente os pobres. Minha comunicação com eles era basicamente na base de gestos e sorriso. Jubi deu conta de toda a conversa. Pra eles eu era o "Mister", como me chamavam. E quando descobriram meu sobrenome, Lima, que em Indonésio quer dizer 5, aí pronto, foi a diversão e eu virei "Mister 5". Daí pra Mairon 5 e pra Maroon 5 é um pulo, né?

Ficamos lá uma noite e, apesar do lugar remoto, tinha até televisão. O menino da casa, Bima, era o que mais assistia (talvez até demais). Nessa de quererem dar à criança a tecnologia que não tiveram, correm o risco de passarem um pouco do ponto. Mas enfim.

Com Bima na vila de Muara Jambi, Sumatra.
As casas dos agricultores quase sempre têm essas varandinhas assim, e você tira o sapato ao entrar. Do lado de dentro, contudo, não há mesas. As refeições são feitas sentado no chão. Foi mesmo quando dali fomos a Muaro Bungo, uma vila mais distante. Pra essa eram 7 horas de viagem num micro-ônibus, e o lugar não pegava nem sinal de celular, e a eletricidade era a gerador por algumas horas apenas.

Tarde na vila de Muaro Bungo, Sumatra. Só faltava o mar.

Pequeno rio em Muaro Bungo, Sumatra. Nesse local estão com um projeto de conservação e utilização dessa corrente pra micro-hidrelétricas, pra que não precisem mais dos geradores a die$el.

Arroz deixado pra secar ao sol em Muaro Bungo, Sumatra.

Por fim, a parada final dessa jornada pelo interior da Sumatra era a terceira vila a visitar, em Tanjung Jabung (legais os nomes, né?). Aí é onde estavam tendo conflitos entre algumas comunidades e umas madeireiras, por disputas de terras. Tava pensando que era só no Brasil? Mas por sorte não me meti nas áreas mais "quentes". Basicamente conversamos com alguns funcionários do governo na região. Meu contato com "madeira" foi mais - pra usar as palavras de Eric - escatológico. No lugar que almoçamos me deparei com um "banheiro" igual àquele do Quem quer ser um milionário?, pra quem viu o filme. Basicamente a localidade era essa aí das fotos abaixo, na beira de um rio. Eu perguntei ao cara onde era o banheiro e ele me apontou pra ir pra o fundo do restaurante. Eu já não sabia mais pra onde caminhar, sem encontrar o tal do banheiro, até que ele me apontou o dito cujo.


A entrada do restaurante.

O restaurante, visto do fundão.


O banheiro do restaurante. Esse aí da cortininha azul.
Entre mortos e feridos, salvaram-se todos. (Por sorte foi n.1, o uso do banheiro). Desde então voltamos aqui a Java e retomei as pesquisas. Voltei ao alojamento onde estava, e agora estou já na reta final da minha estadia. Acumulei algumas coisas a comentar, pois a pesquisa estava puxada, mas agora sobrou um pouco mais de tempo e eu devo tirar o atrasado e viajar também.

Pra começar, hoje à noite vou pegar o trem para Yogyakarta, a capital cultural de Java. Fica a 10 horas daqui, então pegaremos o trem noturno pra chegar amanhã de manhã. Passo o fim de semana e volto. Pra quem se lembra da foto que postei na mensagem final do blog da Índia, aquele templo budista fica lá, e eu devo visitar. Por sinal, essa viagem de trem de hoje deve ser nostálgica: como deixamos pra comprar na última hora, só sobrou a classe povão. Já deram umas risadas da minha cara aqui na sala de Pá Harry, e Jubi (que vai junto) está desesperada. Vamos ver o que nos espera. Mando notícias quando voltar.

Templo de Borobudur, em Java Central.

sábado, 14 de maio de 2011

Direto de Jambi, Sumatra

Paradeiro atual. Jambi fica mais ou menos ali onde está o ponto branco mesmo. Interiorzão da ilha.
Tarde de quinta-feira, Jambi, interior da Sumatra. De um lado, o muezim chama "Allaaaah" - igual em O Clone - e lembra os fiéis da quarta oração do dia. Do outro, alto som de Lady Gaga na festa de casamento rolando no salão do hotel. Mairon, sentado no lobby, dá aquela risada silenciosa do choque de culturas. (Não, a música não era "Bad Romance").

Os muçulmanos têm de rezar 5 vezes ao dia, e com hora mais ou menos marcada: (1) Ao levantar do sol, (2) ao meio-dia, (3) no meio da tarde, (4) ao pôr do sol, e (5) à noite antes de ir dormir. Há variações quanto ao horário, dependendo do país. Aqui na Indonésia, como o clima é equatorial e a duração dos dias não varia muito ao longo do ano, eles seguem esse esquema aí. Altas vezes quando estou com Jubi num shopping ou algo assim, "Peraê que agora eu tenho que rezar". Todos os prédios públicos aqui tem mushollas, que são salinhas de oração com tapetes etc. Em casa ou no trabalho, normalmente todo mundo tem o seu tapete que estende no chão em direção a Mecca (assisto às rezas de Pá Harry todos os dias lá em Bogor). Mas é uma oração silenciosa, de uns 10-15 min. Ajoelha, encosta a testa no chão e tal, como na novela.

O que eu não previ é como isso ia interferir na minha rotina. Não tente marcar nada pra sexta-feira final de manhã, pois é o dia das orações principais para os homens. Então às sextas de manhã eu só marco entrevista com mulher. Outra coisa é o horário do café da manhã. Estávamos eu e Jubi procurando hotel:

- Mairon, a recepcionista está dizendo que o quarto tem televisão e ar condicionado. E eles servem o café da manhã no quarto, incluso no preço.
- Parece legal.
- Entre 5:30 e 6:00 eles batem na sua porta pra entregar.
- (!!!!) O quê?! Não, diga a ela que minha reza é flexível no horário, e que ela pode pular a porta do meu quarto.
- Kkkkkkk. Mas e aí, vamos ficar com esse então?
- Não, quero saber mais uma coisa. Pergunta a ela se tem chuveiro.
*Jubi pergunta*
- Ela disse que não. Só no preço "Suíte" é que tem uma banheira, mas também sem chuveiro.

Fomos ver o quarto, um cheiro de mofo, e o banheiro dava tristeza. Fomos procurar outro hotel.

Este aqui - em que finalmente nos instalamos - não é mau. Um pouco mais caro mas aqui nada é muito caro. Tem chuveiro e, de quebra, internet. E aqui eles só me acordam às 6:20 pra o café na porta (um engana-estômago). Me divirto horrores imaginando como cada um de vocês reagiria, haha. 

O hotel também é animado. Dois casamentos rolando aqui hoje. Não vi cerimônia nenhuma, só a festa. Mas esses são sino-indonésions (minoria de ancestralidade chinesa e que, em geral, não é muçulmana). Portanto, o único ritual que vi foi o karokê com a meninada desafinando. Dois carros enfeitados esperam na porta, onde também há painéis com os nomes dos casados escritos em flores artificiais produzidos pela "Honesty Florist".

A Sumatra abriga a maior flor do mundo - a Rafflesia arnoldii (haha, não, não é referência ao Schwarzenegger), de até 11kg e 1m de diâmetro. Se fosse na Holanda, isso teria todo um empreendimento, além de empresas floristas com flores tropicais, etc. Mas aproveitar recursos da região, incentivar produtores locais e tal, isso não é comum aqui. Hoje procurei sorvete pra aplacar o calor e os únicos sabores que você encontra são: chocolate, baunilha, morango e mirtilho (mais conhecido como blueberry nos países de língua inglesa). Provavelmente a grande maioria dos indonésios nunca viu e nunca nem vai ver um mirtilho. Enquanto isso, as ruas estão cheias de vendedores pobres com graviolas, goiabas, frutas-dragão e outras delícias dos trópicos asiáticos... todos excluídos, frutas e vendedores.

A Rafflesia arnoldii, maior flor do mundo. Nativa da Sumatra e do Borneo. Pensei em ir ver, mas ela só floresce na época de chuvas, depois de novembro.

Lichia, fruta mais ou menos do tamanho de um limão. Meio acri-doce. Dá pra encontrar importada no Brasil, pelo menos no sudeste.
                            
A fruta-dragão é maior, do tamanho de uma manga grande. Difícil descrever o sabor, mas é boa. Esse interior é meio mole e suculento, então as pessoas tiram com a colher. Nunca vi no Brasil.
O "Cisne Negro" das frutas aqui é uma que parece feita de enxofre, dúrian, de longe a mais fedida que já vi. Por dentro parece uma jaca, só que o gosto é completamente diferente (horrível, na minha opinião). Mas dizem que é afrodisíaco. Aqui chamam dúrian de "O Rei das Frutas".
Pra vocês terem uma idéia de o quanto essa fruta fede, fotografei o aviso aqui do hotel junto das lixeiras.

A Sumatra é menos desenvolvida que Java, e Jambi tem aquele ar de cidade do interior movida a agronegócio. Não tem muito o que ver ou fazer aqui, então as saídas são mais pra comer algo mesmo. Fui parar em lugares muito glamurosos nestes últimos dias: daqueles com a toalha plástica transparente que gruda no seu ante-braço enquanto com a outra mão você segura o garfo e tenta espantar as moscas. Ou daquelas que a mesa é de alumínio batido a prego na madeira. Essa foi de uma banquinha onde Jubi e eu estávamos comendo bolinhos fritos (de arroz e de tofu, servidos com molho de soja e de pimenta) enquanto eu assistia ao cara enxugar o suor do pescoço com o pano de prato.

Jambi, Sumatra
Comendo tofu frito na barraquinha de rua.
Esqueça a floresta equatorial aqui, nesta região ela já quase toda deu lugar a plantações de borracha, eucalipto e palmeira oleaginosa (dendê) - que os ruralistas aí no Brasil estão doido pra espalhar na Amazônia e chamar monocultura de "reflorestamento", engana trouxa. Minha pesquisa tem olhado um pouco essas questões, então tenho passado os dias basicamente visitando gente do governo, ONGs, entre outros. Nosso principal contato aqui é Pá Aswanti, um sujeito meio doido e que lembra o Coringa só que de cavanhaque. Ele é estranho, mas tenho que admitir que está sendo prestativo.

Ontem ele estava me explicando como arroz tem colesterol enquanto eu suava debaixo do ventilador de teto do lugar onde a gente foi almoçar. Os Sumatrenses tem o método muito particular de servir o almoço: eles trazem todos os pratos à sua mesa e você escolhe pegar do que quiser. Há normalmente uns 12 pratinhos com comidas diferentes, incluindo salgadinho de pele de boi frita, cabeça de peixe, e jaca verde cozida no molho. Você vai tirando com a sua própria colher ou com a mão mesmo. Boa parte das pessoas aqui come de mão, então eles lhe trazem uma tigelinha d´água pra você limpar as pontas dos dedos. O que você não comer ou que sobrar, volta pra a panela principal pra ser servido ao próximo cliente (legal, né?). Ao final vem o garçom com o bloquinho e faz a contabilidade do que você comeu ou deixou de comer. 

Mas isso aqui ainda não é zona rural meeeeesmo. Este fim de semana, sim, hora de me embrenhar no brejo. Irei ao vilarejo de Muara Jambi pra passar a noite lá e também conversar com agricultores. Estou de saída daqui a pouco. Ontem deu um toró acaba-mundo e a estrada deve estar uma beleza. Depois desta serão Muara Bungo e Tanjung Jabung na semana que vem. Tenho certeza de que as histórias virão.